quinta-feira, 12 de junho de 2008

Analise da obra "A Força Normativa da Constituição" de Konrad Hesse

Na obra a “Força Normativa da Constituição” o jurista alemão Konrad Hesse, professor da Universidade de Freiburg, discorre acerca da existência de uma real eficácia das normas constitucionais, confrontando as teses opostas, aém de apresentar as características de uma constituição que tem possibilidade de ser eficaz.

Hesse primeiramente critica as teorias políticas da constituição advindas da teoria da constituição real de Ferdinand Lassale("Que é um Cosntituição") A em oposição a constituição jurídica ou de papel .Para Lassale, a constituição real , formada pela conjugação dos fatos econômicos, políticos, históricos e sociais, é a verdadeira constituição por estar alinhada aos chamados reais fatores de poder políticos de determianada sociedade em determinado tempo histórico.

Para o professor alemão, a constituição é sim fruto das conjunturas políticas de certo tempo devendo grande parte de sua eficácia a tais. No entanto a constituição jurídica , na visão do autor, não pode ser vista como mero pedaço de papel conformador das conjunturas políticas que sucumbe perante os fatores reais de poder dominantes no país.

A tese da eficácia normativa da constituição,baseia-se na possibilidade de eficácia que uma constituição pode lograr em determinado país. Para Hesse a força normativa dos preceitos constitucionais está intrinsecamente atrelada a uma percepção da norma constitucional enquanto dever-ser ( Sollen) jungida a realidade político social que se configura como um ser(Sein). O autor sintetiza seu pensamento afirmando que “constituição jurídica e constituição real estão em uma relação de coordenação”, ou seja, para Hesse a realidade sócio-política e os ditames constitucionais se condicionam mutuamente sem que um dependa puramente do outro.

O autor exprime a pretensão de eficácia da norma jurídica ao afirmar:

“A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições. Há de ser igualmente contemplada o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas eo baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas”

A tese da pretensão de eficácia da norma constitucional não se confunde com as condições de tal realização, pois a constituição não é mera expressão da realidade , mas sim força condicionante da mesma ao procurar imprimir ordem e conformação à realidade política e social.Assim o autor afirma:

“Determinada pela realidade social e ao mesmo tempo determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas.”

Como forma de possibilitar a eficácia constitucional, o jurista alemão apresenta algumas características e ações que devem estar presentes na ordem constitucional, além da forma como a mesma deve ser interpretada.

Primeiramente Hesse aponta a necessidade de o conteúdo constitucional corresponder às características singulares do presente de forma que o desenvolvimento do futuro seja mais seguro.O autor afirma a necessidade de adequação entre norma jurídica e constitucional e a realidade fática dos elementos sociais, políticos e econômicos dominantes.

É de suma relevância, também, a possibilidade de adaptação constitucional a uma eventual mudança da realidade fática condicionante. O autor defende a instituição de poucos princípios fundamentais cujo conteúdo se mostre desenvolvido frente as céleres mudanças da realidade o que se mostra em sentido contrário a uma constitucionalização de interesses momentâneos ou particulares que inevitavelmente trás como conseqüência a desvalorização da força normativa da constituição.

Hesse também aponta a necessidade da constituição não se assentar sobre uma estrutura unilateral, ou seja, a constituição deve prescrever direitos mas também deveres, divisão de poderes aliada a uma possibilidade de concentração, etc. A não observação dessas características implicaria em um perda da força normativa constitucional principalmente em momentos de crise.

A práxis constitucional é, na visão do professor alemão, meio de desenvolvimento da força normativa da constituição no que condiz aos aspectos da preservação dos princípios constitucionais e a interpretação do texto constitucional. Esta última nas palavras de Hesse “tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da constituição.

Da obra de Hesse é concludente a visão de constituição jurídica necessariamente atrelada à constituição real como forma de se tornar eficaz. No entanto não podemos resumir o pensamento de Hesse a um simples condicionamento da Constituição à ordem política vigente, mas sim, visualizar-lá de forma mais ampla como instrumento de impulso da sociedade para um futuro ( dever ser) que não se separa inteiramente das condições presentes( Ser).

domingo, 1 de junho de 2008

Análise do art 1º da Constituição da República

Análise do art. 1º da Constituição da República

“Brasil: nome, composição e fundamentos do Estado”.

O art. 1º de nossa Constituição da República ( Constituição Federal de 1988) é formado por caput, cinco incisos e um parágrafo. Em sua interpretação abstraímos a instituição do Estado Brasileiro, sob a característica de Estado Democrático de Direito, promulgada pelo Poder Constituinte em 1988 logo após vinte anos de regime militar.

O art. 1º caput trás a seguinte redação:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”

No termo “República Federativa do Brasil” tem-se a um só tempo a afirmação e três características do Estado Brasileiro.

Por Republica se entende a forma de governo ao qual o estado Brasileiro segue. Em oposição à forma republicana temos a forma monárquica, em que há a presença de um monarca com maior ou menor poder que se limitará de acordo com o sistema de governo adotado pelo respectivo Estado.

A palavra república provém do termo romano res pública que designava a forma pela qual os romanos chamavam sua organização política, “coisa pública”.

A classificação das formas de governo remonta a Aristóteles (séc. IV A.C) ao caracterizar três formas básicas de governo: monarquia, república e democracia( que não tinha o sentido que lhe atribuímos hoje). No entanto foi Maquiavel (séc. XV) que formulou de forma mais clara as formas de governo existentes, afirmando existirem apenas duas nos estados conhecidos até então: repúblicas ou principados (monarquias) Atualmente a forma aristocrática de governo não é usual, desconhecendo-se atualmente um Estado que a adote.

Por “federativa” entende-se a forma de Estado adotada pelo Constituinte brasileiro em oposição ao estado uno existente na maioria dos países. A federação se caracteriza pela existência de disposição constitucional de competências específicas entre os níveis que a formam. Há na forma federativa uma relativa autonomia administrativa financeira e legislativa dos Estados em relação à União e dos Municípios em relação aos Estados. Assim temos competências relativas apenas a União, aos Estados e aos Municípios juntamente com as competências concorrentes que a constituição institui. O Brasil, interessantemente é o único país do mundo a adotar um sistema federativo triplo (União, Estados e Municípios).A maioria das federações é estruturada em apenas dois níveis, relegando aos municípios( condados ou distritos) autonomias diferenciadas estabelecidas pelos Estados (Províncias ou Departamentos) e não previamente estabelecidas pela Constituição como é o nosso caso. Assim, em um Estado os municípios podem legislar sobre certos tributos o que pode não ocorrer em outro município pertencente a outro Estado.

É característica da federação a indissolubilidade de seus membros, como aduz o caput do art. 1º: “... formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal...”. Com essa disposição o constituinte garante a integridade territorial brasileira e aduz a possibilidade de intervenção nacional segundo os ditames constitucionais e infraconstitucionais em ente que pretenda se separar do resto da federação.

O elemento mais importante em nossa opinião presente no art. 1º é a constituição do Estado Brasileiro em Estado Democrático de Direito. Por este conceito jurídico-político, temos a caracterização de um Estado que nas palavras de Alexandre de Moraes (2008): “[...] significa o Estado se reger por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais [...]”.

O Estado Democrático de Direito é mais do que o conceito de Estado de Direito, pois este representa apenas o conceito de estado que em que há a primazia da lei e o respeito a ordem legal pelas autoridades públicas. Estado Democrático de Direito, por sua vez, aduz a existência de uma ordem legal que prima pela democracia, o respeito aos direitos fundamentais e a busca pelo Bem Comum.

Os incisos presentes no art. 1º apresentam os fundamentos da República Brasileira e de sua organização como Estado Democrático de Direito. Assim temos como fundamentos da república:

I- a soberania

II- a cidadania

III- a dignidade da pessoa humana

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V- o pluralismo político

A análise de cada um desses incisos demandaria maior aprofundamento ao qual este trabalho não se propõe No entanto é necessário expor a importância do inciso III que estabelece como fundamento do Estado Brasileiro o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, que deve se apresentar como ponto convergente máximo de todas as ações do Estado.

O parágrafo único do artigo analisado se reveste de grande importância, pois estabelece a fonte do poder democrático e o exercício desse poder. Assim temos:

Parágrafo único: Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes legais ou diretamente nos termos desta Constituição.

Analisando a redação do parágrafo, é patente a instituição pela Constituição do sistema de democracia semi-direta, uma vez que estabelece a existência de representantes do povo eleitos e a possibilidade de participação direita pelo povo em algumas decisões estatais a exemplo do referendo e do plebiscito.

É interessante destacar a importância da interpretação das regras constitucionais pela ciência jurídica ,uma vez que a constituição em si nada mais é do que um pedaço de papel, sendo sua verdadeira essência a interpretação que fazemos dela. Como vimos, poucas palavras como as que formam o art 1º trazem em si uma infinidade de informações que devem ser consideradas a fim de que alcançarmos a verdadeira essência da norma. O Estado Democrático de Direito é fruto dessa interpretação, não se restringindo a ela devendo ser efetivado a cada momento, não só pelo Estado, mas pela sociedade.

Ao aniversário de 20 anos de nossa Constituição esperamos que a mesma se efetive a cada dia, deixando de ser papel como dizia Lassale, tornando–se realidade, mostrando a sua força normativa sobre todo ordenamento, não sendo apenas principiológica em seu termo pejorativo e sim uma verdadeira carta de promoção da cidadania.

“Interpretar a Lei é revelar o pensamento que anima suas palavras”

( Clóvis Beviláqua)