domingo, 1 de junho de 2008

Análise do art 1º da Constituição da República

Análise do art. 1º da Constituição da República

“Brasil: nome, composição e fundamentos do Estado”.

O art. 1º de nossa Constituição da República ( Constituição Federal de 1988) é formado por caput, cinco incisos e um parágrafo. Em sua interpretação abstraímos a instituição do Estado Brasileiro, sob a característica de Estado Democrático de Direito, promulgada pelo Poder Constituinte em 1988 logo após vinte anos de regime militar.

O art. 1º caput trás a seguinte redação:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”

No termo “República Federativa do Brasil” tem-se a um só tempo a afirmação e três características do Estado Brasileiro.

Por Republica se entende a forma de governo ao qual o estado Brasileiro segue. Em oposição à forma republicana temos a forma monárquica, em que há a presença de um monarca com maior ou menor poder que se limitará de acordo com o sistema de governo adotado pelo respectivo Estado.

A palavra república provém do termo romano res pública que designava a forma pela qual os romanos chamavam sua organização política, “coisa pública”.

A classificação das formas de governo remonta a Aristóteles (séc. IV A.C) ao caracterizar três formas básicas de governo: monarquia, república e democracia( que não tinha o sentido que lhe atribuímos hoje). No entanto foi Maquiavel (séc. XV) que formulou de forma mais clara as formas de governo existentes, afirmando existirem apenas duas nos estados conhecidos até então: repúblicas ou principados (monarquias) Atualmente a forma aristocrática de governo não é usual, desconhecendo-se atualmente um Estado que a adote.

Por “federativa” entende-se a forma de Estado adotada pelo Constituinte brasileiro em oposição ao estado uno existente na maioria dos países. A federação se caracteriza pela existência de disposição constitucional de competências específicas entre os níveis que a formam. Há na forma federativa uma relativa autonomia administrativa financeira e legislativa dos Estados em relação à União e dos Municípios em relação aos Estados. Assim temos competências relativas apenas a União, aos Estados e aos Municípios juntamente com as competências concorrentes que a constituição institui. O Brasil, interessantemente é o único país do mundo a adotar um sistema federativo triplo (União, Estados e Municípios).A maioria das federações é estruturada em apenas dois níveis, relegando aos municípios( condados ou distritos) autonomias diferenciadas estabelecidas pelos Estados (Províncias ou Departamentos) e não previamente estabelecidas pela Constituição como é o nosso caso. Assim, em um Estado os municípios podem legislar sobre certos tributos o que pode não ocorrer em outro município pertencente a outro Estado.

É característica da federação a indissolubilidade de seus membros, como aduz o caput do art. 1º: “... formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal...”. Com essa disposição o constituinte garante a integridade territorial brasileira e aduz a possibilidade de intervenção nacional segundo os ditames constitucionais e infraconstitucionais em ente que pretenda se separar do resto da federação.

O elemento mais importante em nossa opinião presente no art. 1º é a constituição do Estado Brasileiro em Estado Democrático de Direito. Por este conceito jurídico-político, temos a caracterização de um Estado que nas palavras de Alexandre de Moraes (2008): “[...] significa o Estado se reger por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais [...]”.

O Estado Democrático de Direito é mais do que o conceito de Estado de Direito, pois este representa apenas o conceito de estado que em que há a primazia da lei e o respeito a ordem legal pelas autoridades públicas. Estado Democrático de Direito, por sua vez, aduz a existência de uma ordem legal que prima pela democracia, o respeito aos direitos fundamentais e a busca pelo Bem Comum.

Os incisos presentes no art. 1º apresentam os fundamentos da República Brasileira e de sua organização como Estado Democrático de Direito. Assim temos como fundamentos da república:

I- a soberania

II- a cidadania

III- a dignidade da pessoa humana

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V- o pluralismo político

A análise de cada um desses incisos demandaria maior aprofundamento ao qual este trabalho não se propõe No entanto é necessário expor a importância do inciso III que estabelece como fundamento do Estado Brasileiro o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, que deve se apresentar como ponto convergente máximo de todas as ações do Estado.

O parágrafo único do artigo analisado se reveste de grande importância, pois estabelece a fonte do poder democrático e o exercício desse poder. Assim temos:

Parágrafo único: Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes legais ou diretamente nos termos desta Constituição.

Analisando a redação do parágrafo, é patente a instituição pela Constituição do sistema de democracia semi-direta, uma vez que estabelece a existência de representantes do povo eleitos e a possibilidade de participação direita pelo povo em algumas decisões estatais a exemplo do referendo e do plebiscito.

É interessante destacar a importância da interpretação das regras constitucionais pela ciência jurídica ,uma vez que a constituição em si nada mais é do que um pedaço de papel, sendo sua verdadeira essência a interpretação que fazemos dela. Como vimos, poucas palavras como as que formam o art 1º trazem em si uma infinidade de informações que devem ser consideradas a fim de que alcançarmos a verdadeira essência da norma. O Estado Democrático de Direito é fruto dessa interpretação, não se restringindo a ela devendo ser efetivado a cada momento, não só pelo Estado, mas pela sociedade.

Ao aniversário de 20 anos de nossa Constituição esperamos que a mesma se efetive a cada dia, deixando de ser papel como dizia Lassale, tornando–se realidade, mostrando a sua força normativa sobre todo ordenamento, não sendo apenas principiológica em seu termo pejorativo e sim uma verdadeira carta de promoção da cidadania.

“Interpretar a Lei é revelar o pensamento que anima suas palavras”

( Clóvis Beviláqua)

2 comentários:

Dona Sra. Urtigão disse...

Oi! Me permita uma pergunta de alguem muuuuito leiga. A interpretação de leis não pode fazer com que sejam adaptadas a critérios particulares ao inves de se constituirem em universais absolutos ? Isso não implicaria riscos para os que dependem dessas mesmas leis? O que é exatamente uma interpretação de leis? uma hermenêutica?

Yuri P. Caon disse...

Minha cara Dona Sra Urtigão.

Essa questão é muito recorrente na filosofia do direito e na hermenêutica jurídica.Muitos teóricos se propuseram a explicar e fundamentar a interpretação jurídica, legitimando-a. Assim como qualquer ciência- técnica, o Direito( ciência Jurídica) utiliza-se de métodos e princípios próprios para definir o sentido e o alcance da norma jurídica.
O que dá elgitimidade a uma interpretação de modo que ela não se torne subjetivista/particularista é a fundamentação técnica dada a ela. Fora da ciência direito torna-se charlatania